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Por  Cristiane Costa ,  Editora e crítica de Cinema, e specialista em Comunicação   Adaptação do livro "Cartas da guerra" d...

Cartas da Guerra


Por Cristiane Costa,  Editora e crítica de Cinema, especialista em Comunicação 

Adaptação do livro "Cartas da guerra" de  António Lobos Antunes,  o longa-metragem do mesmo título, realizado pelo cineasta português Ivo. M Ferreira, conta a história do escritor quando esteve dezoito meses na Guerra Colonial Portuguesa e escrevia cartas sobre seus sentimentos e a batalha à esposa Maria José. Iniciada em 1961 e finalizada em 1974, esta guerra está ambientada em Angola e mostra a violenta ofensiva de Portugal contra os movimentos de libertação das províncias na África (Angola,Guiné-Bissau e Moçambique).




António, interpretado pelo ator Miguel Nunes, é um médico que funciona como uma lente para o espectador e testemunha o previsível retrato da solidão na batalha, mas também insere um olhar romântico e nostálgico com relação à esposa. É para sua saudosa companheira que são as cartas, introduzindo o espectador como observador dos sofrimentos de um marido apaixonado que sente saudades da esposa (Margarida Vila- Nova). 


Mesmo sem participar ativamente da mise en scène, Maria José é uma das razões de ser do longa através desta evocação do amor de um homem por uma mulher. As cartas tem um teor muito bonito em cada palavra, muito triste e doloroso em cada saudade. A leitura das cartas surge na figura de uma voz feminina, assim, ela o ouve, ela não foi embora. Ele tem forças para sobreviver mesmo demonstrando um nítido estado depressivo.




Antonio exacerba o seu desejo e amor por ela com profunda devoção, que chega a uma intensidade erótica em alguns fragmentos. Em planos sensuais e, até mesmo, impregnados de uma solidão de singular beleza, Maria José não responde as cartas, não reage. A câmera enquadra apenas esta mulher na tela, cada vez mais distante do marido. Assim, a perspectiva deste aspirante a escritor, preso a uma guerra de contexto ditatorial, é colocada em cena de forma poética, bastante intimista, enfatizando que o filme não é apenas sobre um momento histórico de Portugal, mas também como a guerra separa famílias e aprisiona homens na solidão e na dor da saudade.




"Cartas da guerra" é muito bem fotografado, em preto e branco, como um magnífico livro de memórias atemporal que converge o poder do audiovisual ao da palavra escrita. Esta característica é um chamariz da obra, que não oculta o desespero de Antonio em várias cenas e a importância da produção epistolar como um forma de expressar as emoções angustiantes quando um ser humano perde o convívio com a família, com o amor, com a sociedade e luta uma guerra sem sentido, meramente territorialista.




Se por um lado, estes relatos de Antonio cheios de angustia e solidão aproximam o público aos horrores da guerra, seus impactos nas individualidades e são belíssimos para a decupagem e direção de fotografia, por outro lado, falta neste filme um melhor equilíbrio entre o que vem do registro epistolar e o que vem do registro da História, do conflito bélico em si. É comum, em determinados pontos da narrativa, ver a repetição das lamúrias de António e demais personagens não são desenvolvidos. Atores como Ricardo Almeida, João Pedro Vaz e Welket Bungué poderiam ter sido melhor aproveitados.


O cineasta deixa de explorar o potencial de magnitude da obra ao tomar a decisão de mostrar mais o intimismo de António que propriamente a batalha. Ainda que seja compreensível sua decisão diante de uma adaptação, contraditoriamente, a guerra é vista à distância. As emoções provocadas pelo filme já não têm o mesmo poder após certo tempo de projeção. Ficam desfalecidas, voltadas ao morrer de amor e de saudades de António.




Ficha técnica do filme Imdb Cartas da Guerra

Fotos: cortesia Imovision

Livro



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